Quem me escreve?
“A palavra é a casa do Ser”,
Martin Heidegger.
Cada um conhece perfeitamente, ainda que só intua sobre, aquilo que o torna feliz. Não falo do bem-estar vulgar, daqui, perecível como uma maçã. Refiro-me a fenômenos mais sutis, ao gosto que toca a alma, essa coisa inquietante que grita dentro de nós. Refiro-me ao transcendente, às raias do mistério mais fechado, dono de outros sentires. Apresso-me, porém.
Digo com certeza que não sei quem é este que escreve por mim. Não sei bem se sou eu mesmo, ou se quem escreve é um pedaço de mim, um personagem, personagem-escritor apenas. Talvez este que escreva, quem sabe, seja alguém que eu queria ser: meu eu verdadeiro, o eu-mesmo: mistura do que fui, do que estou sendo e do sei-lá-o-quê que virei a ser, minha projeção. Por favor, me desculpe se lhe incomodo com meu jeito de pensar, mas acontece que estou quase me formando. Não se irrite, por tanto, por tão pouco! Acontece ainda mais, comigo, nestes dias esquisitos: com a formatura, parece que se vai algo de mim. Parece que pela primeira vez na vida vou ter juízo. De quê? Meu Deus, assusta-me tal clarividência, a ponto de não me perdoar por tê-la: a certeza – verdade interior inexplicável! - de que estou morrendo.
Reconheço que não sei por que teimo em escrever assim, doendo-me. Tudo o que eu mais queria agora era um abraço, sem pressa. Mas escrever é um ato solitário, assim como morrer. Sim, não se iluda, morre-se sozinho.
Eu poderia escrever os versos mais felizes nestes dias, porém não consigo. A dor sempre me tocou mais. Enquanto todos festejavam São João, eu temia o estouro dos fogos, e doía. Ainda hoje, confesso, não gosto deles, e continuo doendo. Percebo agora (a súbita iluminação, o tropeço): se realmente sou eu que escrevo, faço-o por mim, pra me livrar. De quê? Da morte, eu acho. Quem escreve não morre. Se há mesmo um depois, certamente a ponte para ele é feita de palavras. No juízo final Deus absolverá todos os poetas, mesmo os comunistas.
E eu preciso tanto de Deus. Enxergo em mim a limitação que sou. Tenho quase 1,60m. Ou seja, como diria Ferreira Gullar, “este é o meu tamanho no mundo”. O meu tamanho no mundo é quase 1,60m. Por isso, preciso de Deus, imensamente preciso de Deus. Porque eu preciso de Deus é preciso que Deus exista. Se não fosse a esperança de vê-lo, face a face, na outra margem do rio, o que seria de mim eu não sei. Era sobre isso que eu me apressava ao falar no início, sobre o mistério mais fechado, o mistério de ter esperança contra toda a desesperança que se força sobre mim. O mistério de ser feliz, ainda que a tristeza se force sobre mim. O mistério de sorrir sem motivo, ainda que tenha tido muitos motivos para chorar ultimamente. O mistério, sim, o mistério: quem me escreve?
Encerro por aqui, o senhor vê? Falei de mim, o que muito me custa. Me desculpe pelo incômodo. Apenas lhe faço uma última pergunta: será que fui claro?
Martin Heidegger.
Cada um conhece perfeitamente, ainda que só intua sobre, aquilo que o torna feliz. Não falo do bem-estar vulgar, daqui, perecível como uma maçã. Refiro-me a fenômenos mais sutis, ao gosto que toca a alma, essa coisa inquietante que grita dentro de nós. Refiro-me ao transcendente, às raias do mistério mais fechado, dono de outros sentires. Apresso-me, porém.
Digo com certeza que não sei quem é este que escreve por mim. Não sei bem se sou eu mesmo, ou se quem escreve é um pedaço de mim, um personagem, personagem-escritor apenas. Talvez este que escreva, quem sabe, seja alguém que eu queria ser: meu eu verdadeiro, o eu-mesmo: mistura do que fui, do que estou sendo e do sei-lá-o-quê que virei a ser, minha projeção. Por favor, me desculpe se lhe incomodo com meu jeito de pensar, mas acontece que estou quase me formando. Não se irrite, por tanto, por tão pouco! Acontece ainda mais, comigo, nestes dias esquisitos: com a formatura, parece que se vai algo de mim. Parece que pela primeira vez na vida vou ter juízo. De quê? Meu Deus, assusta-me tal clarividência, a ponto de não me perdoar por tê-la: a certeza – verdade interior inexplicável! - de que estou morrendo.
Reconheço que não sei por que teimo em escrever assim, doendo-me. Tudo o que eu mais queria agora era um abraço, sem pressa. Mas escrever é um ato solitário, assim como morrer. Sim, não se iluda, morre-se sozinho.
Eu poderia escrever os versos mais felizes nestes dias, porém não consigo. A dor sempre me tocou mais. Enquanto todos festejavam São João, eu temia o estouro dos fogos, e doía. Ainda hoje, confesso, não gosto deles, e continuo doendo. Percebo agora (a súbita iluminação, o tropeço): se realmente sou eu que escrevo, faço-o por mim, pra me livrar. De quê? Da morte, eu acho. Quem escreve não morre. Se há mesmo um depois, certamente a ponte para ele é feita de palavras. No juízo final Deus absolverá todos os poetas, mesmo os comunistas.
E eu preciso tanto de Deus. Enxergo em mim a limitação que sou. Tenho quase 1,60m. Ou seja, como diria Ferreira Gullar, “este é o meu tamanho no mundo”. O meu tamanho no mundo é quase 1,60m. Por isso, preciso de Deus, imensamente preciso de Deus. Porque eu preciso de Deus é preciso que Deus exista. Se não fosse a esperança de vê-lo, face a face, na outra margem do rio, o que seria de mim eu não sei. Era sobre isso que eu me apressava ao falar no início, sobre o mistério mais fechado, o mistério de ter esperança contra toda a desesperança que se força sobre mim. O mistério de ser feliz, ainda que a tristeza se force sobre mim. O mistério de sorrir sem motivo, ainda que tenha tido muitos motivos para chorar ultimamente. O mistério, sim, o mistério: quem me escreve?
Encerro por aqui, o senhor vê? Falei de mim, o que muito me custa. Me desculpe pelo incômodo. Apenas lhe faço uma última pergunta: será que fui claro?
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