Friday, June 10, 2005

Meditação sobre a palavra "Deus"


Karl Rahner: "A palavra 'Deus' existe".

Há alguns dias li um texto do teólogo Karl Rahner, S.J., sobre a palavra “Deus”. Fiquei, confesso, encantado. Rahner diz que o simples fato de a palavra “Deus” existir já merece reflexão. O raciocínio do teólogo, por momentos, é intrincado, mas não pouco compensador. Sigamo-lo, portanto: “...não temos nenhuma experiência de Deus do tipo da que temos de uma árvore, de outra pessoa humana ou de outras realidades externas que, embora talvez nunca existam para nós simplesmente sem palavras, contudo por si mesmas forçam o nascimento de uma palavra sobre elas porque simplesmente surgem no âmbito de nossa experiência em determinado ponto do espaço e do tempo e, assim, por si mesmas, elas impulsionam imediatamente a que se lhes dê um nome. Podemos, portanto, dizer que o que existe de mais simples e ineludível para o homem com respeito à questão de Deus é que a palavra ‘Deus’ existe em sua vida espiritual e intelectual”.

Segundo Rahner, mesmo um ateu ajuda a palavra “Deus” a se perpetuar. Ele diz ainda que se alguém quisesse evitá-la “não só teria de esperar que na existência do homem e na linguagem da sociedade desaparecesse por completo, mas também deveria contribuir para este desaparecimento guardando completo silêncio, abstendo-se de se declarar ateu. Mas como poderia fazê-lo se outros, de cujo campo lingüístico não pode definitivamente emigrar, continuam a falar de Deus e se preocupam com essa palavra?”.

A palavra “Deus”, conforme o teólogo, não fala nada sobre o que significa ou sobre a realidade significada, nem pode exercer sequer a função de um aceno de mão que aponte para algo que se encontre imediatamente fora da palavra e, por isso, não precisa dizer nada sobre este algo. Complicado? Mais ou menos.

Digamos que a palavra “Deus” seja sem rosto. Ou seja, ela não se refere por si mesma a uma experiência singular definida. E por isso mesmo está em plenas condições de nos falar corretamente sobre Deus.

Para mim, o ápice do texto de Karl Rahner está aqui: “Ela (a palavra ‘Deus’) está sempre exposta ao protesto de Wittgenstein, que manda guardar silêncio sobre o que não se pode falar com clareza, mas que infringe essa máxima pelo próprio fato de a expressar. A palavra mesma, se bem entendida, concorda com essa máxima. Pois ela é a última palavra antes do silêncio que se emudece sem palavras em adoração perante o mistério inefável”.

A palavra “Deus” é a última antes do silêncio, é a última palavra antes daquilo para o qual não há palavras. Para o meu peito, que tem andado tão seco, essas meditações foram como chuva sertaneja.

2 Comments:

Blogger Tiago Tresoldi said...

Complicado? Com certeza. :)

Bom, meditar sobre Deus por meio de Wittgenstein é uma aventura.

De início, a proposição de que "não temos nenhuma experiência de Deus" é complicada, não tanto por ter de definir o que é uma experiência, mas sobretudo por definir o que seria Deus. Ih, estou começando a me perder também: numa hipérbole, vamos tomar um panteísta, principalmente na interpretação mais oriental da palavra. Não poderia dizer ele que experimentar uma árvore é experimentar Deus? Claro, é possível argumentar que a percepção de Deus é secundária, no sentido que somente depois de sentir uma "força" (em ausência de palavra melhor) comum é que pode-se reconhecer este "comum a tudo e presente em tudo", mas me ficaria difícil refutar quem batesse o pé dizendo que está tendo uma experiência de Deus.

O raciocínio de Rahner (confesso que nunca tinha ouvido falar a respeito) faz sentido, mas talvez o fato de "Deus" poder ser entendido como uma apreensão subjetiva merecesse alguma análise.

Concordo, passa a fazer muito mais sentido quando se analisa do ponto de vista de um ateu, mas desta vez não podemos nos relacionar ao que não existe? Se eu estou dizendo "nada", o nada exite? Voltamos a uma discussão dos pré-socráticos! :) Por extensão, haveria outras tantas palavras como "fé". Também me lembra um pouco a crítica hegeliana a Kant ("todo o real é apreensível, todo o apreensível é real") sobre como ele poderia afirmar (e, por conseqüência, nomear) o noumeno se esta nunca foi apreendido.

Bom, Platão daria uma ótima resposta a isso tudo. ;)

Talvez eu não devesse dar meu palpite sobre um texto que nem li, mas continuo achando que a explicação é simplesmente ter fé. Se os teólogos quiserem discutir o que é fé e o que é ter fé, que o façam, por favor. Mas não é uma resposta simplista, é uma resposta simples.

Ou não. :P

4:14 PM  
Blogger  said...

Essa coisa do ateu que ele fala eu tinha refletido qdo estudava análise discursiva: na medida que o ater nega Deus, ele também afirma. Falando isso pra qualquer ateu eles negam de forma veemente, o que só me faz ter mais certeza.
Coisa, nunca tinha pensando a palavra... essa reflexão vou levar comigo :)

Esse final, assim como um do post do Tiago, lembra Minas.
bjo!

11:19 AM  

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