Karl Rahner: "A palavra 'Deus' existe".Há alguns dias li um texto do teólogo
Karl Rahner, S.J., sobre a palavra “Deus”. Fiquei, confesso, encantado. Rahner diz que o simples fato de a palavra “Deus” existir já merece reflexão. O raciocínio do teólogo, por momentos, é intrincado, mas não pouco compensador. Sigamo-lo, portanto: “...não temos nenhuma experiência de Deus do tipo da que temos de uma árvore, de outra pessoa humana ou de outras realidades externas que, embora talvez nunca existam para nós simplesmente sem palavras, contudo por si mesmas forçam o nascimento de uma palavra sobre elas porque simplesmente surgem no âmbito de nossa experiência em determinado ponto do espaço e do tempo e, assim, por si mesmas, elas impulsionam imediatamente a que se lhes dê um nome. Podemos, portanto, dizer que o que existe de mais simples e ineludível para o homem com respeito à questão de Deus é que a palavra ‘Deus’ existe em sua vida espiritual e intelectual”.
Segundo Rahner, mesmo um ateu ajuda a palavra “Deus” a se perpetuar. Ele diz ainda que se alguém quisesse evitá-la “não só teria de
esperar que na existência do homem e na linguagem da sociedade desaparecesse por completo, mas também deveria contribuir para este desaparecimento guardando completo silêncio, abstendo-se de se declarar
ateu. Mas como poderia fazê-lo se outros, de cujo campo lingüístico não pode definitivamente emigrar, continuam a falar de Deus e se preocupam com essa palavra?”.
A palavra “Deus”, conforme o teólogo, não fala nada sobre o que significa ou sobre a realidade significada, nem pode exercer sequer a função de um aceno de mão que aponte para algo que se encontre imediatamente fora da palavra e, por isso, não precisa dizer nada sobre este algo. Complicado? Mais ou menos.
Digamos que a palavra “Deus” seja sem rosto. Ou seja, ela não se refere por si mesma a uma experiência singular definida. E por isso mesmo está em plenas condições de nos falar corretamente sobre Deus.
Para mim, o ápice do texto de Karl Rahner está aqui: “Ela (a palavra ‘Deus’) está sempre exposta ao protesto de Wittgenstein, que manda guardar silêncio sobre o que não se pode falar com clareza, mas que infringe essa máxima pelo próprio fato de a expressar. A palavra mesma, se bem entendida, concorda com essa máxima. Pois ela é
a última palavra antes do silêncio que se emudece sem palavras em adoração perante o mistério inefável”.
A palavra “Deus” é a última antes do silêncio, é a última palavra antes daquilo para o qual não há palavras. Para o meu peito, que tem andado tão seco, essas meditações foram como chuva sertaneja.